"Não consigo ver mais que
isso: essa é a lembrança. Além dela, nós conversamos durante muito tempo na
chuva, até que ela parasse, e quando ela parou, você foi embora. Além disso,
não consigo lembrar mais nada, embora tente desesperadamente acrescentar mais um
detalhe, mas sei perfeitamente quando uma lembrança começa a deixar de ser uma
lembrança para se tornar uma imaginação. Talvez se eu contasse a alguém
acrescentasse ou valorizasse algum detalhe, assim como quem escreve uma
história e procura ser interessante — seria bonito dizer, por exemplo, que eu
sequei lentamente os seus cabelos. Ou que as ruas e as árvores ficaram novas,
lavadas depois da chuva. Mas não direi nada a ninguém. E quando penso, não
consigo pensar construidamente, acho que ninguém consegue. Mas nada disso tem
nenhuma importância, o que eu queria te dizer é que chegando na janela, há
pouco, vi a chuva caindo e, atrás da chuva, difusamente, uma roda-gigante. E
que então pensei numas tardes em que você sempre vinha, e numa tarde em especial,
não sei quanto tempo faz, e que depois de pensar nessa tarde e nessa chuva e
nessa roda-gigante, uma frase ficou rodando nítida e quase dura no meu
pensamento. Qualquer coisa assim: depois daquela nossa conversa depois daquela
nossa conversa na chuva, você nunca mais me procurou."
— Caio Fernando Abreu
Amo CFA =)
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